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DOENÇA OCUPACIONAL E COVID-19: UM NOVO DESAFIO PARA A SOCIEDADE.

A pandemia do novo coronavírus impactou todas as relações jurídicas no Brasil, o que demandou a edição de inúmeros atos normativos para regulamentar a nova realidade a qual fomos submetidos.


Obviamente, tais mudanças vieram acompanhadas de inúmeros conflitos nos mais diversos setores da sociedade, entre eles, nas relações de trabalho.


Apesar do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em relação a Medida Provisória 927/2020, ainda existem inúmeras questões jurídicas controvertidas acerca do tema, as quais serão solucionadas pela jurisprudência, mas para isso é necessário aguardar o tempo de tramitação das ações judiciais.


Assim, com o objetivo de auxiliar o entendimento sobre o assunto, abordaremos no presente artigo, de forma não exaustiva e da maneira menos prolixa possível, acerca do enquadramento da COVID-19 como doença ocupacional.


A doença produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, bem como, aquela adquirida em função das condições especiais em que referido trabalho é realizado, serão consideradas como enfermidades de origem ocupacional (Lei 8.213/1991, artigo 20, incisos I e II).


Em relação a COVID-19, ao julgar a ADI 6.346/DF, o STF suspendeu a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória 927/2020, que previa que Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Significa dizer que, segundo a MP 927/2020, o trabalhador deveria provar que contraiu a COVID-19 no ambiente de trabalho.


No entanto, na ação acima citada, o STF afirmou que O art. 29 da MP 927/2020, ao excluir, como regra, a contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais, transferindo o ônus da comprovação ao empregado, prevê hipótese que vai de encontro ao entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à responsabilidade objetiva do empregador em alguns casos.


Resumidamente, a responsabilidade objetiva é uma modalidade de responsabilização sem a necessidade de provar culpa ou dolo, nos casos especificado em lei ou quando atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (artigo 927, Código Civil)


O entendimento que o Supremo Tribunal Federal faz referência é aquele adotado no Recurso Extraordinário nº. 828.040, sob a sistemática da repercussão geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes (Tema 932), segundo o qual O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.


Também no julgamento da ADI 6.346/DF, a Ministra Rosa Weber esclareceu em seu voto que Recentemente, esta Suprema Corte, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, ao julgamento da ADI 3931, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia em sessão do plenário virtual de 10.04.2020 a 17.04.2020 (pendente de publicação), declarou a constitucionalidade da presunção do vínculo entre a doença e a atividade profissional, constatada a presença do nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, assegurada a sua harmonia com os arts. 7º, XXVIII e 201, I, da Constituição Federal. Nesse contexto, observada a jurisprudência da Corte, entendo que o art. 29 da Constituição Federal [leia-se art. 29 da Medida Provisória 927/2020], no que exige do empregado a comprovação do nexo causal ofende o art. 7º, XXII, da Constituição Federal”.


O Nexo Técnico Epidemiológico é caracterizado nas hipóteses em que o trabalhador vier a contrair uma patologia inteiramente correlacionada à função laborativa, ficando, assim, configurada a existência da doença profissional.


Importante esclarecer também que o Ministério Público do Trabalho, por meio do Grupo de Trabalho Nacional – GT – COVID-19, emitiu a Nota Técnica GT COVID-19 nº. 20/2020, objetivando indicar diretrizes a serem observadas por empregadores, empresas, entidades públicas e privadas que contratem trabalhadores (as), a fim de adotar as medidas necessárias de vigilância em saúde do trabalhador, compreendendo simultaneamente as medidas de vigilância sanitária e de vigilância epidemiológica, com vistas a evitar a expansão ou a intensificação da pandemia de Covid-19.


Nas considerações iniciais da referida Nota Técnica, o MPT constou que:


CONSIDERANDO que a COVID-19 pode ser considerada doença do trabalho quando a contaminação do (a) trabalhador (a) pelo SARS-CoV-2 ocorrer em decorrência das condições especiais de trabalho, nos termos do § 2º do art . 20 da Lei nº 8.213/91;


CONSIDERANDO que a COVID-19 é doença profissional, nos termos do art . 20, I, da Lei nº 8.213/91, e Anexo I I do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99): “Agentes Patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no art . 20 da Lei nº 8.213/91”, Lista B3 – Lista de Doenças Profissionais, i tem XXV - Microorganismos e parasitas infecciosos vivos e seus produtos tóxicos (Exposição ocupacional ao agente e/ou transmissor da doença, em profissões e/ou condições de trabalho especificadas), como hospitais, laboratórios e outros ambientes envolvidos no tratamento de doenças transmissíveis;

[...]


No âmbito Administrativo Federal, a Portaria nº. 2.345/GM/MS, de 2 de setembro de 2020, tornou sem efeito a Portaria nº 2.309/GM/MS, de 28 de agosto de 2020, a qual relacionava a COVID-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. No entanto, o fato de a COVID-19 não estar disposta expressamente na referida lista, não impede que o Poder Judiciário reconheça a origem ocupacional da referida doença nas ações judiciais que lhes sejam submetidas, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.


Apesar de todas as referências no presente artigo sejam relacionadas às questões trabalhistas/celetistas, tais disposições também possuem plena validade e aplicação para as relações estatutárias entre Entes Públicos e servidores, pois a saúde e segurança no ambiente de trabalho possui previsão constitucional.


É evidente que a questão debatida no presente artigo se mostra de alta complexidade e, mesmo diante da decisão do STF na ADI 6.346/DF, certamente teremos diversas decisões judiciais divergentes diante das peculiaridades de cada caso concreto submetido à apreciação do Poder Judiciário.


Portanto, o que podemos concluir, nesse primeiro momento, é que a COVID-19 pode ser considerada doença de origem ocupacional, responsabilizando o empregador independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade. Significa dizer que o nexo de causalidade deve ser presumido para aqueles trabalhadores que atuam na linha de frente de combate ao coronavírus, ou em ambientes que exponham o trabalhador as risco de contágio maior do que aos demais membros da coletividade.


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